23 de abril de 2010

Entrevista de Augusto Inácio ao DN


O Sporting perdeu mesmo o comboio?

Após as vitórias nos campeonatos de 2000 e 2002, o Sporting perdeu uma excelente oportunidade de se afirmar como um crónico candidato ao título - um candidato real, acrescente-se. Mas, nessa altura, o clube decidiu enveredar por outros caminhos, passou a investir exclusivamente na academia. Acho muito bem o investimento na academia, desde que se pense que uma equipa que luta pelo título não pode ser apenas formada por jovens talentos. Um jovem tem de ter a seu lado um colega que lhe transmita a mística para poder crescer e no Sporting é o contrário - essa tarefa é colocada nas costas dos mais jovens. Nunca o Beto fez uma época tão boa como quando teve o André Cruz ao lado. Por isso, o Sporting perdeu o combate com o FC Porto e, nestes dois últimos anos, com o Benfica, que, à custa do investimento feito nas duas últimas épocas, vai ser, seguramente, campeão. No próximo ano, o Benfica vai manter a força e o FC Porto vai aparecer ainda mais forte do que de costume. Vai ser uma época com um andamento louco.

É realista pensar que para o ano o Sporting, com reforços, vai ser capaz de lutar pelo título?

Não. Se quer ser campeão um dia, o Sporting vai ter de apostar na criação de estruturas sólidas. Na próxima época, nem com a contratação de grandes jogadores lá vai. O Benfica e o FC Porto levam um grande avanço.

Carvalhal deveria continuar?

Num grande, nunca vi a contratação de um treinador não merecer uma conferência de imprensa. Nunca vi tal e penso que a maneira como Carvalhal entrou no Sporting foi decisiva e marcou o desfecho porque, se atendermos ao trabalho realizado, Carvalhal esteve muito bem. Basta dizer que, quando chegou ao Sporting, o objectivo assumido pelos responsáveis era conseguir um lugar entre os cinco primeiros. Nesse sentido, Carvalhal foi campeão.

O anúncio de Paulo Sérgio foi uma surpresa?

No Sporting não há grandes surpresas. A primeira ideia é que o clube não tem dinheiro para ir contratar um treinador estrangeiro com nome. O Paulo Sérgio parece-me uma boa escolha. Ele não tem nada a perder. Há certos clubes em que a mudança e a reviravolta não dependem do treinador mas, sim, da política do clube. O Sporting tem de ter um plantel à altura do clube. O Paulo Bento já tinha feito milagres, Carvalhal, também deu uma volta à equipa. Mas, para ser campeão, não basta. Paulo Sérgio diz que vai para Alvalade para ser campeão - sim, isso é o discurso de qualquer treinador de um dos três grandes. Mas ele sabe que dizer não chega.

Nestas duas últimas décadas, que erros principais aponta ao Sporting?

Ter desfeito as equipas que foram campeãs em 2000 e 2002. E foram questões mesquinhas as que levaram a que isso acontecesse. Começou nessa altura a tendência para nunca manter uma equipa. O segundo erro foram algumas das sucessões directivas. Em certos casos, o descalabro foi tal que pôs o futebol português a rir. Terceiro, uma deficiente gestão no que diz respeito à compra e venda de jogadores. O Sporting nunca teve quem olhasse bem para este aspecto essencial. Ainda hoje. No FC Porto, alguns dos actuais jogadores do Sporting já tinham sido vendidos e por bom dinheiro, e esse dinheiro já teria sido investido em reforços de qualidade. O clube não vende bem e não compra bem, logo não pode fazer uma boa equipa.

A influência que Jorge Mendes passará a ter no clube, e que se depreende da contratação de Costinha, pode ajudar o clube nessa matéria?

Não sei qual vai ser o grau de influência dele. O grande responsável pelo futebol deverá sempre ser o presidente.

Paulo Sérgio vai ter o apoio incondicional que teve Paulo Bento?

O Paulo Bento foi , de facto, uma aposta do anterior presidente. É necessário dar estabilidade ao treinador e fazer ver aos adeptos que a aposta da direcção deve ser a aposta de todos.

Foi o último treinador português campeão pelo Sporting. Sairia a meio da época seguinte. O episódio está encerrado?

A mágoa nunca vai desaparecer, porque o enredo, o filme e as armadilhas que me criaram não deixam. De muitas delas, só me apercebi mais tarde. As reuniões secretas com Mourinho ao mesmo tempo que me juravam pelos filhos que era mentira, a solidariedade prometida sob falsa palavra de honra, dizendo- -me que se eu saísse sairiam também - mas ficaram lá - e outras coisas que me fizeram perceber que a minha saída do Sporting foi ditada por muitos interesses. É que comigo só jogava mesmo a melhor equipa e os melhores jogadores.

Uma mágoa em especial...

Tenho-a com Filipe Soares Franco, que, em 2000, não estando no clube, deu, no entanto, uma entrevista em que disse que saiu quem tinha de sair, ou seja, colocando nas minhas costas todas as culpas. Pois penso que depois disso terá aprendido alguma coisa porque foi capaz de proteger - e muito bem - Paulo Bento durante quase quatro anos e, além disso, permitiu que Bölöni, a 15 pontos do primeiro classificado, acabasse a segunda época no Sporting. Acertou com os outros, errou comigo.

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